terça-feira, 16 de abril de 2013

O Movimento Bandeirante


QUADRO CLÁSSICO Domingos Jorge Velho e o Loco-tenente Antônio Fernandes Abreu, de 1903, é idealização do pintor Benedito Calixto.





Um herói. É esse o modelo que transpira da pose altiva, do olhar penetrante, das armas novas e da roupa impecável do bandeirante Domingos Jorge Velho, retratado por Benedito Calixto na pintura que inicia esse post. Mas o desbravador não era branco, e sim mameluco, fruto da mestiçagem entre portugueses e índios. Usava tão bem o arcabuz, sua arma de fogo, quanto o arco e a flecha, que aprendeu a manusear com os nativos. Falava mais tupi do que português, como a maioria dos paulistas. E ainda tinha sete esposas índias.

"Muitas vezes, encontrei nas obras escolares o mesmo tom triunfalista da pintura de Calixto, com os bandeirantes aparecendo como indivíduos corajosos e patrióticos, que tinham como objetivo expandir o território nacional. Esse tipo de ocorrência diminuiu na produção dos últimos 20 anos, mas ainda existe",  explica Manuel Pacheco Neto, autor de duas teses sobre os bandeirantes.

Nas últimas duas décadas, a análise cuidadosa dos registros de época ajudou a contar outra versão dos fatos. Já há consenso entre os historiadores, por exemplo, sobre os objetivos principais das bandeiras dos séculos 17 e 18. Longe de buscar conscientemente a ampliação do território em nome de um suposto nacionalismo, o que os desbravadores tinham como meta era buscar metais preciosos e aprisionar índios. Depois de capturados, os nativos eram vendidos para trabalhar nos canaviais do Nordeste ou usados como mão-de-obra particular dos paulistas. No seu encalço, os sertanistas andavam enormes distâncias mata adentro - Raposo Tavares, por exemplo, percorreu 12 mil quilômetros durante três anos.

Isso tudo seria impossível se os bandeirantes não tivessem a ajuda dos índios, que acompanhavam os paulistas em suas andanças ou até colaboravam na captura de membros de suas próprias tribos (é importante ressaltar esse fato como exemplo de que personagens históricos são figuras complexas e até contraditórias, traços que acabam escondidos quando se ensina História por generalizações). Foram os indígenas que guiaram os sertanistas pelas trilhas desconhecidas e os ensinaram a andar descalços. "Eles mostraram uma pisada específica que evitava lesões e possibilitava percorrer distâncias maiores. A própria descoberta de ouro em Cuiabá foi feita não por bandeirantes, mas por dois índios coletores de mel", explica Pacheco Neto.

Objetivos X conseqüências

Com viagens tão longas, era quase inevitável que os sertanistas acabassem aumentando o território da colônia ao desrespeitar o Tratado de Tordesilhas, acordo firmado por Portugal e Espanha em 1494 para delimitar a extensão de terras que cabia a cada país. "Os sertanistas contribuíram, sim, para o estabelecimento das dimensões territoriais do Brasil atual, mas foram movidos pelo desejo de sobrevivência. Como naquela época a ocupação dava o direito sobre a terra, os bandeirantes acabaram fazendo um favor a Portugal mesmo sem ter esse intuito", diz o historiador John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas.

A revisão histórica também jogou luz sobre a brutalidade dos desbravadores. A visão vem sobretudo dos registros históricos feitos por jesuítas que assistiram as matanças. Os religiosos relatam que, quando chegavam ao seu destino - geralmente, missões jesuíticas apinhadas de índios -, os sertanistas faziam ataques-surpresa e matavam uma enorme quantidade de indígenas apenas para causar terror e evitar que os remanescentes resistissem. Decapitações e esquartejamentos eram estratégias comuns. O jesuíta Antonio Ruiz de Montoya descreveu com horror uma dessas invasões: "(Eles) entraram a som de caixa e em ordem militar nas duas reduções de Santo Antônio e São Miguel, destroçando índios a machadadas. Os pobres dos índios com isso se refugiaram na igreja, onde os matavam - como no matadouro se matam vacas -, tomaram por despojo as modestas alfaias litúrgicas e chegaram mesmo a derramar os santos óleos pelo chão".

Relativizar os rótulos

Por mais que a narrativa seja chocante, é papel do professor relativizá-la, mostrando como ela está impregnada da emoção típica do testemunho em primeira pessoa e do interesse dos jesuítas em demonizar os sertanistas, apesar de alguns religiosos terem até participado de bandeiras. A visão crítica da História nos ensina que não devemos julgar nem bandeirantes nem jesuítas pelos parâmetros de hoje, mas entendê-los como indivíduos sujeitos às condições de sua época. Encarar esses personagens como mocinhos ou vilões rouba-lhes a verdade histórica e a única riqueza que talvez tenham conquistado - já que, segundo os testamentos da época, comprovou-se que a maioria morreu pobre : a de ter lutado por interesses próprios e, por acaso, ajudado a traçar a história de um país.



 
Ilustração: Éber Evangelista

 As bandeiras que mais impactaram a história foram as que alargaram o território brasileiro, apresaram uma quantidade significativa de índios ou descobriram ouro - essas últimas responsáveis pelo deslocamento de grupos que se concentravam no litoral. A maioria foi fruto de ações particulares, não apoiadas pela coroa portuguesa. No mapa à esquerda, estão representadas oito grandes bandeiras, todas realizadas nos séculos 17 e 18. Em termos de distância percorrida, a mais impressionante foi a liderada por Antonio Raposo Tavares (no mapa, em vermelho), que de 1648 a 1651 percorreu 12 mil quilômetros de São Paulo à região de Gurupá, no atual Pará, para capturar indígenas. Tavares, aliás, foi provavelmente o bandeirante mais experiente. Entre 1628 e 1633, ele comandou, junto com Manuel Preto, uma incursão no atual Paraná (em rosa) para destruir missões jesuíticas em Guairá. Com o mesmo objetivo de capturar índios, Fernão Dias se embrenhou pelo atual Rio Grande do Sul, em direção a Tape (bandeiras ilustradas em azul e verde).

 Fonte aqui.

Nenhum comentário: