quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Peste Negra

O século XIV na Europa Ocidental foi uma época de horror. A Peste, as guerras, as revoltas, a fome, o Cisma do Ocidente, os questionamentos ao poder da Igreja, tudo parecia concorrer para o que muitos que viveram nesse século temiam: o fim dos tempo...

Abaixo, um documentário sobre esse período que foi um dos responsáveis pelo título incorreto de Idade das Trevas que a Idade Média recebeu.



Abaixo, um impressionante relato de um religioso português do século XVII sobre os efeitos da Peste nas pessoas e na sociedade.

A peste é, sem nenhuma dúvida, entre todas calamidades desta vida, a mais cruel e verdadeiramente a mais atroz. É com grande razão que é chamada por antonomásia* de o Mal. Pois não há sobre a terra nenhum mal que seja comparável e semelhante à peste. Desde que acende num reino ou numa república esse fogo violento e impetuoso, veem-se os magistrados atordoados, as populações apavoradas, o governo político desarticulado. A justiça não é mais obedecida; os ofícios param; as famílias perdem a sua coerência e as ruas a sua animação. Tudo fica reduzido a uma extrema confusão. Tudo é ruína. Pois tudo é atingido e revirado pelo peso e pela grandeza de uma calamidade tão horrível. As pessoas, sem distinção de estado ou de fortuna, afogam-se numa tristeza mortal. Sofrendo, umas da doença, as outras do medo, são confrontadas a cada passo ou com a morte, ou com o perigo. Aqueles que ontem enterravam, hoje são enterrados e, por vezes, por cima dos mortos que na véspera haviam posto na terra.

Os homens temem até o ar que respiram. Têm medo dos defuntos, dos vivos e de si mesmos, pois que a morte muitas vezes envolve-se nas roupas com que se cobrem e que à maioria servem de mortalha, em razão da rapidez do desfecho [...].

As ruas, as praças, as igrejas cobertas de cadáveres apresentam aos olhos um espetáculo pungente, cuja visão torna os vivos invejosos da sorte daqueles que já estão mortos. Os locais habitados parecem transformados em desertos e, por si só, essa solidão inusitada aumenta o medo e o desespero. Recusa-se qualquer piedade aos amigos, já que toda piedade é perigosa. Estamos todos na mesma situação, mal se tem compaixão uns dos outros.

Estando sufocadas ou esquecidas, em meio aos horrores de tão grande confusão, todas as leis do amor e da natureza, as crianças são subitamente separadas dos pais, as mulheres dos maridos, os irmãos ou os amigos uns dos outros - ausência desoladora de pessoas que são deixadas vivas e que não se voltará a ver. Os homens, perdendo sua coragem natural e não sabendo mais que conselho seguir, vão como cegos desesperados que tropeçam a cada passo em seu medo e suas contradições. As mulheres, com seus choros e suas lamentações, aumentam a confusão e a aflição, pedindo um remédio contra um mal que não conhece nenhum. As crianças vertem lágrimas inocentes, pois sentem a desgraça sem compreendê-la.

Fonte: Jean Delumeau. História do Medo no Ocidente 1300-1800. p 121-122.

*Antonomásia: Figura que consiste na substituição do nome próprio de uma pessoa, cidade, país, pelo de uma sua qualidade ou por uma perífrase que concentre um dos seus atributos: o príncipe dos poetas (por Camões), o Redentor (por Jesus Cristo).
Alcunha, apelido, cognome.