segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Para ler nas férias 3


Ou isto ou aquilo

Cecília Meireles

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.





sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Para ler nas férias 2


DORME RUAZINHA… É TUDO ESCURO!…


Mário Quintana


Dorme ruazinha… É tudo escuro…

E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?

Dorme teu sono sossegado e puro,

Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos…


Dorme… Não há ladrões, eu te asseguro…

Nem guardas para acaso perseguí-los…

Na noite alta, como sobre um muro,

As estrelinhas cantam como grilos…


O vento está dormindo na calçada,

O vento enovelou-se como um cão…

Dorme, ruazinha… Não há nada…


Só os meus passos… Mas tão leves são,

Que até parecem, pela madrugada,

Os da minha futura assombração…


Do livro: Antologia poética para a infância e a juventude, Ed. Henriqueta Lisboa, Rio de Janeiro, INL:1961.


Abaixo, uma valsinha brasileira - aqui interpretada pelo cantor Yamandu Costa - composta em 1940. A melodia é de Newton Teixeira e a letra de Jorge Faraj. Ouçam o que fazia sucesso no Brasil nessa época.






sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Para ler nas férias!

Manuel Bandeira.

Cotovia


— Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?


— Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.


— Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.


— Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .


— E esqueceste Pernambuco,
Distraída?


— Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.


— Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!


— Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
— Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.

Leia, ouvindo!


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