terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sunitas X Xiitas.

O oriente médio.

Em destaque, o Líbano.


Leiam o post abaixo publicado hoje na Folha On line. Comento no final.

Confrontos entre grupos xiitas e sunitas libaneses em Beirute nesta terça-feira deixaram três mortos e vários feridos. O choque ocorreu a poucos blocos de um centro comercial que costuma ficar lotado de turistas nesta época do ano.

Soldados libaneses cercaram a área e impediram que jornalistas entrassem no local, mas durante horas era possível ouvir o som dos tiros e granadas.

A troca de tiros começou entre a milícia xiita Hizbollah e o conservador sunita Al Ahbash, após uma briga do lado de fora de uma mesquita na área residencial mista de Bourj Abu Haidar, segundo autoridades.

As autoridades informaram ainda que Mohammed Fawas, líder do Hizbollah na área, e seu assessor, Munzer Hadi, foram mortos no confronto, junto com Fawaz Omeirat, do Al Ahbash.

Um comunicado em conjunto divulgado posteriormente pelos dois grupos disse que o incidente foi resultado de "uma disputa pessoal e não tem nenhum pano de fundo político ou sectário".

Os dois lados disseram ter concordado imediatamente em por fim às diferenças e à presença armada nas ruas.

Combatentes colocaram fogo em uma mesquita na região próxima de Basta, segundo um fotógrafo da agência Associated Press.

Salah, de 40 anos, que não quis informar seu sobrenome, disse que estava dentro da mesquita Bourj Abu Haidar quando ouviu uma gritaria do lado de fora e pessoas pedindo calma. Vinte minutos depois, ele ouviu tiros atingindo a mesquita.

RIXAS

A disputa aconteceu quando o líder do Hizbollah, xeque Hassan Nasrallah, falava aos seus apoiadores, pedindo aumento da assistência militar do Irã e dos vizinhos árabes para o Exército libanês.

Foi o pior choque desde maio de 2008, quando homens armados do Hizbollah varreram as vizinhanças sunitas de Beirute após o governo pró-Ocidente tentar desmantelar a rede de telecomunicações do grupo.

Na época, o confronto deixou o país à beira de uma nova guerra civil. O Líbano tem um histórico de rixas sectárias mortais. As tensões têm se acirrado nas últimas semanas, após sinais de que um tribunal da ONU (Organização das Nações Unidas) pode indiciar o Hizbollah pela morte, em 2005, do ex-primeiro-ministro Rafik al Hariri.

Nasrallah disse ter informações de que o tribunal irá implicar membros do Hizbollah no crime, mas disse que se trata de um "projeto israelense" que "não tem credibilidade".

A Al Ahbash, ou Associação de Projetos Islâmicos de Caridade, é um grupo muçulmano conservador rival a muitos outros grupos sunitas no país. O nome do grupo tornou-se conhecido após o assassinato de Hariri. Dois altos representantes do grupo foram presos por cerca de quatro anos sob suspeita de envolvimento no crime, mas depois foram soltos.

Comento

Ao contrário do que muita gente pensa, o Islã não é uma religião monolítica, infensa à divisões ou ao sectarismo religioso. Na verdade, bem no início do Islã, no século VII, os muçulmanos se dividiram em duas correntes principais: os sunitas e os xiitas. Desde aquela época até os dias atuais, os sunitas formam a maioria dos muçulmanos. Alguns estimam que essa corrente represente cerca de 80% dos muçulmanos. O que sobra são formados por xiitas. Engana-se, porém, quem acha que essa divisão é simples assim. Entre os sunitas e xiitas há diversas seitas e correntes, portanto, imaginar o Islã como uma religião monolítica é um equívoco que vocês, alunos, não podem mais incorrer.

Qual a causa da divisão dos muçulmanos em sunitas e xiitas? O que caracteriza de modo geral as crenças de cada uma dessas correntes? Será que o que se sabe sobre elas está realmente correto? Vamos as respostas.

A divisão começou logo após a morte do profeta Mohamad (Maomé), em 632. Havia uma discussão sobre quem deveria suceder o Profeta. O sucessor (califa) deveria ser um descendente direto da família do Profeta ou poderia ser qualquer muçulmano escolhido pelos seus pares? Um grupo, o maior, entendia que o califa teria que ser escolhido pela comunidade islâmica e não deveria ser necessariamente um descendente direto da família de Maomé. Esse grupo ficará conhecido como sunitas. Já os xiitas entendiam que o califa deveria ser necessariamente um descendente da família de Maomé. Os dois grupos tinham os seus preferidos: os sunitas queriam Omar ou Abu Bacre, ambos sogros de Maomé; já os xiitas defendiam que Ali, primo de Maomé e casado com Fátima, a filha do Profeta, fosse o califa. Foi a partir da divergência sobre quem deveria ser o sucessor do Profeta e a forma de escolhê-lo que nasceu a divisão do Islã em sunitas e xiitas. Em tempo: Abu Bacre, Omar e Ali, acabaram se tornando califa, mas a divisão já estava consolidada.

Os sunitas além do Alcorão (Corão) consideram a Suna - livro que reúne os ditos e feitos do Profeta - um livro sagrado, embora dêem ao Alcorão uma importância bem maior. Além disso, os sunitas consideram que a revelação se esgotou no Alcorão, não havendo, portanto, mais nada no livro que possa ser revelado.

Os xiitas, por sua vez, e ao contrário do que muita gente pensa, não desprezam a Suna, embora dêem a esse livro uma importância bem menor do que é dada pelos sunitas. Como os sunitas, os xiitas crêem que no Alcorão não há mais nada a ser revelado, no entanto, acreditam nos ímãs, homens especiais, enviados por Deus, para esclarecer pontos ocultos no Alcorão. Esses pontos, segundo creem os xiitas, só podem ser revelados pelos ímãs. Dessa forma, uma maneira de distinguir os xiitas dos sunitas, é que os primeiros creem nos ímãs, os outros, não.

Finalmente, é um engano rotular os xiitas de radicais e os sunitas de moderados. Esse rótulo nos leva a um erro ainda mais grave: como os xiitas são radicais, os grupos terroristas islâmicos são todos xiitas; não havendo entre os sunitas extremistas islâmicos. A Al Qaeda, por exemplo, é um grupo terrorista sunita. Aliás, uma das seitas mais radicais do Islã, os Whababistas, é sunita. Enfim, há radicais extremistas dos dois lados.










domingo, 15 de agosto de 2010

O Islamismo e a liberdade


A palavra Islã significa submissão. Os muçulmanos têm como profissão de fé a submissão a Deus, no caso, Alá. Proclamar Alá como Deus único e Maomé como o seu último e mais importante profeta, além de seguir o Alcorão, são alguns dos aspectos dessa submissão. Portanto, a liberdade para um muçulmano consiste na aceitação desses pressupostos.

Na última 4ª feira, dia 21 de maio*, houve uma aula sobre o islamismo, envolvendo as áreas de História, Ensino Religioso e Artes Visuais.

Dei início à aula exibindo dois vídeos que estão no youtube e que serviram de mote para a explicação de alguns aspectos históricos do Islã, e, principalmente, para tratar de um valor caro a mim: a liberdade de expressão. De forma resumida, a minha exposição tratou do seguinte:

Nos dois primeiros meses de 2006, protestos violentos foram protagonizados por grupos muçulmanos em diversas partes do mundo. O motivo: charges publicadas em jornais dinamarqueses que criticavam, sempre com humor, aspectos do islamismo. A reação de grupos radicais islâmicos, conhecidos erroneamente como fundamentalistas, foi imediata. Fizeram passeatas, queimaram bandeiras dinamarquesas, gritaram palavras de ordem contra o ocidente e os Estados Unidos, repetiram palavras de amor ao profeta, a Alá, e, pasmem: ao terrorista Osama Bin Laden. O que havia nessas charges? Vejam vocês mesmos clicando aqui.

De todas as charges apresentadas, quero destacar a que está publicada no post. Dois aspectos nessa charge ofenderam a crença muçulmana: a charge exibe o profeta Maomé ( o nome correto é Mohamad, mas é mais fácil falar Maomé, acho) mostrando o rosto. Para um muçulmano isso é uma blasfêmia. Os muçulmanos rejeitam representaro seu profeta máximo dessa maneira, pois consideram idolatria. Outro aspecto é o gracejo que a charge faz com a crença islâmica de que aquele que se sacrifica – entenda, dá a vida - em nome do Islã, receberá, como recompensa, virgens no paraíso. São tantos homens-bomba que, brinca a charge, não há mais virgens disponíveis. No Alcorão não há uma sura sequer que prove ou comprove essa promessa. A crença nas "72 virgens" teria surgido de um "Hadith", palavras de Maomé, garantindo que, no paraíso, uma das recompensas mais simples a que tem direito cada muçulmano que faça jus ao Paraíso, é ter 80 mil criados e 72 mulheres. Desse "Hadith" até a idéia de que os muçulmanos terão no Paraíso 72 virgens, foi um pulo.

Em 3 de fevereiro de 2006, uma parte da comunidade islâmica em Londres fez uma manifestação em frente à embaixada dinamarquesa, veja aqui. Chamei atenção para um aspecto: no ocidente, os valores democráticos permitem que um grupo que se sinta ofendido, discriminado, proteste livremente. Imaginem vocês um protesto de cristãos em Riad, capital da Arábia Saudita? Imaginem manifestações de grupos radicais de judeus e cristãos em Teerã? Não imaginem, porque é simplesmente proibido.

É o Islã violento?

Muita gente tende a generalizar os conceitos fazendo uma relação direta entre terroristas que adotaram o islamismo como fé, e a religião. A confusão não pára aí. Confundem árabes com muçulmanos e vice-versa. A confusão fica assim:

O islamismo é uma religião violenta e seus seguidores são fanáticos, terroristas e assassinos. Como os árabes são muçulmanos, logo, todos os árabes são, no mínimo, suspeitos de serem terroristas.

Nada pior do que essas generalizações simplistas e preconceituosas. É verdade, reconheço, que as ações terroristas de grupos radicais muçulmanos, suas manifestações mundo afora, quase sempre violentas, ajudam, (e como!) a reforçar esse preconceito. Mas vamos corrigir algumas distorções:

1 – Ações terroristas não são exclusividades de grupos radicais muçulmanos. No ocidente, ainda há grupos que, apesar de cristãos, já adotaram ou ainda adotam ações terroristas. O IRA e o ETA, por exemplo. Até grupos sionistas (judeus) também já deram sua contribuição para o terror. Dessa forma, é importante não associar grupos terroristas à religião que eles professam. Não é verdade que todo muçulmano seja um terrorista, pior: que a religião islâmica justifica o terrorismo.

2 – Se é verdade que a maioria dos árabes é muçulmana, não é verdade que todos os muçulmanos do mundo, sejam árabes. Há, por exemplo, pequenos grupos de árabes no Líbano e em outros países da região, que são cristãos. Além do mais, desde a expansão islâmica após a morte de Maomé em 632, outros povos, não-árabes, converteram-se ao Islã. Hoje, o maior país muçulmano do mundo é a Indonésia, que não é árabe. Portanto, nem todo árabe é muçulmano, nem todo muçulmano é árabe.


* Esse texto foi escrito em maio de 2008.